RESENHA: “Os desafios da música digital”, por Pedro Doria

Apple Music e Spotify.

A virada digital no negócio da música anda bastante rápida. Segundo a matéria, no ano de 2014, pela primeira vez, serviços de streaming como o Spotify ultrapassaram em faturamento a venda de CDs. Em 2016, ultrapassaram os downloads de faixas de lojas como a iTunes e Google Play, sendo importante considerar que o iTunes vinha sendo a principal forma de se consumir música desde que mudou as rédeas das vendas de músicas em 2001, quando foi lançado. Além disso, o streaming fechou o ano de 2016, pela primeira vez, maior do que o Netflix em número de usuários. Só que isso não é uma notícia necessariamente boa para aqueles que vivem de fazer música.

Sean Parker, um dos investidores iniciais do Facebook e também do Spotify, prometia em 2014 que o modelo do streaming seria “capaz de levar a indústria de volta aos números de seu auge, no final da década de 1990”. De acordo com o colunista Pedro Doria, isso não aconteceu: “Artistas ganhavam um percentual fixo por venda de seus discos ou download de músicas. Hoje, recebem menos de um centavo de dólar a cada vez que uma faixa é ouvida. O dinheiro é razoável para aqueles grandes sucessos. Mas, para artistas independentes ou mesmo os dedicados a públicos sofisticados, porém menores, como jazz e clássicos, a expectativa de fazer algum dinheiro é nula”. Sua fala pode ser demonstrada pela tabela a seguir.

Tabela simplificada com os 10 principais serviços de música por número de reproduções e receita gerada para a gravadora. Dados e tabela retirados do site The Trichordist. Clique aqui para acessar a matéria original.

Caso um artista consiga 1000 reproduções em sua música no Spotify, que é o maior serviço atualmente, ele receberá apenas $3,97. Para um grande artista, isso só vai se multiplicando e dando lucro, mesmo que nem tanto; porém para um artista escasso de fama e poder na indústria, este valor acaba sendo, muitas vezes, apenas o que a pessoa ganha em determinada música. Renomados cantores podem se aproveitar desta discrepância entre o lucro das vendas digitais e do streaming, a exemplo da Taylor Swift: ela decidiu apenas em meados de 2017 colocar seu catálogo nos serviços de streaming, o que acabou gerando bastante lucro para ela por bastante tempo, já que a mesma tem uma grande legião de fãs e um alto número de ouvintes, fazendo com que conseguisse vender música tanto física quando digitalmente sem problema algum, tanto que seu álbum 1989, de 2014, é um dos mais vendidos de todos os tempos por uma artista feminina, tendo ultrapassado 10 milhões de cópias vendidas mundialmente.

Ainda assim, não está claro se o próprio modelo do streaming será realmente capaz de se sustentar. Basta mergulhar nos números.

Doria diz que “o Netflix, que é o maior serviço de streaming de vídeos do mundo, encerrou 2016 com 93,8 milhões de assinantes. O conjunto dos serviços de streaming encerrou o ano com 100,4 milhões, segundo a consultoria Midia. O crescimento foi estupendo, 48% maior do que o ano anterior. O faturamento do Netflix, porém, deve bater em US$ 8,38 bilhões. Estes números ainda não foram publicados. Mas, nos primeiros nove meses do ano passado, a empresa apurou um lucro de US$ 120 milhões. A margem é estreita, até porque os gastos com produção e promoção de séries exclusivas têm sido altos”.

Destes 100,4 milhões de assinantes de música por streaming, 43 milhões usam Spotify e 20,9 milhões seguem com a Apple Music, em segundo lugar. Para a Apple, o negócio da música é secundário. A empresa de Cupertino está no ramo de vender iPhones, a música só ajuda, ainda mais levando em consideração que o iTunes perdeu toda a força que tinha antes e agora a Apple está mais concentrada no Apple Music. O Spotify fez um faturamento de US$ 2,18 bilhões que representou um prejuízo de US$ 194 milhões.

O Spotify, nas contas de Tim Ingham, do site Music Business Worldwide, ainda não conseguiu fechar um modelo robusto que cobre um preço capaz de sustentá-lo. O problema é o seguinte: pelos cálculos de analistas, é bem provável que o teto do número de assinantes possíveis na faixa de dez dólares esteja próximo de ser encontrado.

Após Spotify e Apple, seguem no ranking Deezer, Napster, Tidal e outros. O maior tem quase sete milhões de assinantes, e o menor não conseguiu cruzar a barreira do milhão. Se realmente houver este teto de crescimento, só haverá um jeito de o negócio do streaming se tornar sustentável. Falência ou aquisição dos pequenos. O mercado terá de se consolidar entre dois ou três jogadores, não mais.

Isto resolverá o problema das empresas, mas não o dos artistas de médio e pequeno porte. O negócio mudou, e a venda de música gravada pode ter se tornado, em definitivo, incapaz de sustentar quem faz a arte de fato. Se tornou comum vermos músicas genéricas e sem compromisso com a arte no topo das paradas, o que é influenciado também pela mudança que a indústria sofreu para se adaptar à era dos streamings, fazendo com que uma das três principais formas de contagem de pontos para as paradas, senão a principal, fosse o streaming. Não é questão de abominar o serviço, mas sim de mostrar que, com o apoio dele, o dinheiro está lutando com armas bem poderosas para superar a arte.

Hoje em dia a música não é mais o único talento necessário aos músicos. É preciso, também, capacidade de se vender constantemente, de acordo com Doria. Ter uma boa imagem para gerar lucro passou a ser mais importante do que ter qualidade para oferecer – pelo menos para o público geral.


Resenha de uma matéria publicada pelo colunista Pedro Doria no jornal O Globo. A matéria pode ser acessada aqui.

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